quarta-feira, 11 de março de 2015

More Than Us II - Alexander


     E depois de tantos anos eu estava de volta, era perturbadoramente nostálgico estar aqui mais uma vez, tudo parecia tão igual, as mesmas ruas, os mesmo cheiros, meus pés se lembravam de todos os caminho e meu nariz de todos os aromas.
     A única diferença era eu, o tempo me mudara, endurecera minhas feições, roubara alguns dos trejeitos de garoto que eu tinha anos atrás, eu havia amadurecido no fim das contas, mas aqui, ainda me sentia aquele garoto.

     Estava tão perdido em meus devaneios que quase me deixei passar por ela sem reparar, alguns passos a frente, foi como se algo mais forte que eu me fizesse parar e virar, e dar com aqueles olhos tão familiares a fitarem os meus.

     Por alguns segundos todas as palavras de minha mente simplesmente se evaporaram.
      - É você? - Foi tudo o que consegui proferir.
     - Depende de quem você ache que eu seja - foi sua resposta.
    
 Um meio sorriso me veio aos lábios, realmente era ela, ao menos sua resposta foi exatamente como eu esperava, me aproximei, e sem saber ao certo como agir lhe ofereci minha mão, posso jurar te-la visto exitar, depois com um sorriso ela o apertou e me olhou nos olhos.

     - Então...o que anda fazendo? - perguntei ainda buscando as palavras
     - Não sei, o que quer saber?
     - Tudo - Respondi sorrindo, e um tanto envergonhado
     - Tudo é muito - respondeu-me parecendo um pouco desconfortável. 


 

     Então o silêncio tomou conta de mim,  não sabia ao certo o que falar, então ela se adiantou.

     - E você? O que fez depois? Além de namorar a garota da cafeteria?

     - Me fechei por um tempo, por tudo em ordem. Então, depois eu parti, vi que não era meu lugar naquele momento. Mantive contato com os garotos, mas depois de um tempo não nos falamos mais, foi bom até. Foi incrível quando nos encontramos de novo, os mesmos babacas de sempre - rio ao lembrar disso, e por finalmente contar isso a alguém que me conhece de verdade - Ta, mas e você por onde andou?

     - No mesmo lugar. Não sai de lá. Na verdade não sai mesmo, não saia de casa, ou qualquer outra coisa. Coloquei as coisas em ordem e depois tentei seguir em frente. Recebia noticias suas às vezes. O que não ajudava muito no fim das contas, mas foi melhor assim.

     - E depois?
     - Bom, eu segui, de um jeito torto, mas segui.
     - Andar reto nunca foi nosso forte, não é? - Permito me rir como a tempos atrás
     - Acho que não.

     - E quando a garota? - Aponto para a garotinha que a acompanhava, e agora estava um pouco afastada de nós.

    - Produção independente - ela sorri
    - Como assim? - pergunto sem entender, - Pensei que quisesse casar e tudo mais
    - Queria. Mas pulei certas etapas, sem homens a vida é mais fácil. Então dei um jeito de engravidar, e bem, ela nasceu. - ela sorri, orgulhosa de si mesma - E você?
     - Bom, quando saí daqui, primeiro fui pro Sul, depois pro Norte, mas era quente demais, ai parei no meio, - digo rindo - aprendi a tatuar quando fiquei em BH, abri um estúdio em Curitiba e me formei em história lá.
     - Casou?
     - Sem casamentos. Histórias, em todos os cantos, feridas e todo o mais. Você me conhece.
     - Filhos?
     - Só alguns sustos, mas nenhum ainda.
Nesse momento, rimos juntos, como se tantos anos não tivessem se passado.



     - Fazendo que por aqui? - ela me pergunta.
     - Vim para dar aula, e vou trazer meu estúdio para cá logo, como só dou aula a noite, vou continuar com ele durante o dia. E você, não saiu daqui?
     - Não. To lecionando aqui. Sempre disse que queria criar meus filhos aqui. Saí por um tempo, estudei fora e morei 3 anos em Porto Alegre. Depois voltei.
     - Passei um tempo em Porto, meus dias de artista de rua. Ficava sempre pela cidade baixa, vendendo desenhos, por causa de lá que surgiu a oportunidade de ir para BH.

    - Fiquei sabendo - disse-me rindo
    - Como assim? - pergunto sem acreditar.
    - Eu disse que recebia noticias suas as vezes
    - Mas, e o que sua mãe achou da produção independente?
    - Não gostou óbvio. Ela não mudou no final das contas. Mas não tinha muito o que dizer. Ela se acostumou com a ideia.
    - Mãe - Chamou a garota, que reparo ter um colar com o nome Valentina - Posso pegar outro?
    - Não, já estamos indo.
    - Já? - pergunto.
    - Sim, viemos tomar um sorvete, ela já acabou. Agora vamos embora - ela me responde com um leve sorriso.

    Quando vamos pagar o sorvete me mantenho um pouco afastado, pensando um pouco sobre o passado.

     - Aonde vão agora? pergunto.
     - Para casa - ela me responde enquanto pega o troco

     Enquanto ela se dirige a Valentina, coloco as mãos nos bolsos e os reviro em busca do meu maço de cigarros e meu isqueiro.
     Eu as acompanho até a porta de casa, um caminho familiar, e em silêncio.

     - Nos vemos por ai? pergunto ao me despedir.
    - Acho que sim - disse ela já ao pé da porta.

     Quando ela entra, tiro um cigarro do maço, o acendo e observo a fumaça subir em direção as luzes que escapam por entre as copas das árvores, dou um gole amargo do cantil que mantinha em meu bolso, e sigo meu caminho, sem saber ao certo aonde queria ou deveria ir.



     Deixando-a para trás, mais uma vez parti, não como fora uma vez, mas parti, não sabia se nos encontraríamos em alguma esquina, até que o acaso, cruzou nossos caminhos mais uma vez.
Sempre achei um tanto clichê esses encontros em lugares comuns, mas foi assim que aconteceu, na fila do mercado, eu comprando cigarros e ela um vinho.

    - Louise - A cumprimentei de uma forma assustadoramente cordial
   
    Ela sorriu para mim, um tanto quanto surpresa, por me ver ou pelo tom que usei, não sei dizer.
    Paguei meus cigarros e a esperei junto a porta, quando passou por mim segui ao seu lado em silêncio, como fazia tempos atrás.

     - Aonde está indo? - me perguntou por fim.
     - Por enquanto estou andando com você, depois decido - respondi deixando as palavras soltas no ar.
     Era como, a anos atrás, ela me fazia voltar a ser aquele garoto, que eu deixara de ser a tanto tempo. Ela me olhava, e quando seus olhos encontravam os meus, eu era arrastado de volta a aquele mundo que tínhamos, era bombardeado com lembranças, imagens, e flashes de um passado que nunca, fora esquecido.
     Eramos apenas duas crianças, que acreditavam que podiam ir contra tudo, que em uma noite tiveram suas vidas ligadas, e inevitavelmente mudadas, pra sempre.

    - Pensativa demais para o meu gosto - disse pegando um cigarro, pra esconder meus próprios pensamentos.
    - Impressão sua. - me respondeu com a voz um tanto quando distante.
    - Pensando em que?
    - Em quando me deixou! - sua resposta me atingiu como um tapa, e me fez encolher.
    - Louise...
    - Sem pedidos de desculpas. Não me faça lembrar de tudo que aconteceu. Não me faça sofrer duas vezes pelo mesmo motivo. Não me faça reviver. Não.

     Havia tantas coisas que queria dizer, tantas coisas que queria contar, dizer o quão difícil foi me mostrar forte, o quanto guardei, mas não podia, não devia. Uma tragada lenta, pra acalmar os pensamentos, me voltava pra dentro de mim a cada instante, como sempre acontecia quando não sabia como agir.

     - Ainda dorme como criança? - perguntei a primeira coisa que me veio a mente, péssima escolha.
     - Não. Mas dormi com várias pra tentar te esquecer.

     Mais um tapa, não queria me defender, não precisava, eu tinha que sentir isso, eu merecia isso, mas, machucava. Acabei meu cigarro em silêncio, andando lentamente.

    - Desculpa - ela falou sem me olhar, como se dissesse para si mesma.

     Assenti em silêncio.

     - Você está com tempo? - perguntei com o olhar distante.
     - Acho que sim.
     - Me acompanha a um lugar? - fez que sim, mordendo os lábios, incerta sobre isso.


     
     Andei em silêncio, com ela a me seguir. Não proferimos uma palavra se quer durante o trajeto, mas isso não era necessário, nosso silêncio sempre dissera mais do que nós.
     Era estranho eu lembrar com tanta naturalidade desse caminho, tantos anos se passaram desde que estive aqui pela última vez. Ao chegar foi como se, eu tivesse feito esse mesmo caminho todos os dias. Vi ela parar a dois passos atrás de mim em frente ao portão, seu rosto era uma mescla de incerteza, medo e tensão, ou era somente meu reflexo em seus olhos.
     Eu não podia fazer isso sozinho, estendi a mão para ela e pedi em silêncio, entendendo, ela segurou a minha, e me acompanhou.
     A mesma velha lápide, gasta pelo tempo, com exceção da foto, que parecia ter sido tirada a apenas algumas horas, aqueles olhos castanhos tão conhecidos me fitaram quando olhei, uma cicatriz de dor, tristeza e angústia se abriu em mim nesse momento. Saquei um cigarro, e só fiquei ali o segurando em quando minha mente dava um giro, por todo um passado, todas as coisas que aconteceram, tudo que me trouxe até aqui. Como tudo chegou a esse ponto?

     - Você ainda vem muito aqui? - me pergunta com uma voz consoladora.
     - Primeira vez, em anos - Era difícil, vir aqui trazia todos meus sentimentos mais fortes e intensos pra fora, e não sabia se a culpa era dela, ou era minha.

     Sabia que não precisava de "porquês", para me explicar, deixei o silêncio pairar, então a vi ajoelhar-se e encarar Anna, com um sorriso que até mesmo iluminavam seus olhos, queria saber o que se passava em sua mente nesse momento. Ela se levantou, incerta sobre o que fazer, posso jurar que a vi olhado para a saída mais próxima, mas ela ficou ali,ao meu lado.
    Me aproximei, me permiti olha-la mais uma vez, aquele sorriso, era incrível como me causava tanta dor e conforto ao mesmo tempo, até esse momento não sabia porque tinha arrancado aquela flor no caminho até aqui, agora fazia sentido. A depositei em frente a lápide, dei meia volta e segui rumo a saída, pude ver os cabelos de Louise voarem em seu rosto, quando o vento soprou, e ela ainda olhava Anna.

     - Porque aqui? - ela me perguntou
     - Porque foi aqui que tudo terminou. Ou começou, não sei ao certo - respondi, mas sem pensar muito sobre a resposta.
     - Depende de quem analisa a situação, - concluiu Louise.

     Acompanhei-a até em casa mais uma vez, parei ao portão e me despedi. Quando já estava a alguns metros, ouvi ela me chamar.

     - Alexander - parei em meio a outro passo - Quer ficar pro jantar? - me perguntou, quase que percebendo que não deveria me deixar sozinho.
     - Eu adoraria - respondi com um meio sorriso.




     Ela entrou e se dirigiu a cozinha, a vi depositar o vidro sobre uma bancada, eu ainda estava ao pé da porta quando ela retornou.

     - Onde está valentina? - perguntei
     - Minha mãe a chamou pra dormir.

     Sentei-me ao sofá, passando as mãos nas pernas, me sentindo um pouco deslocado por estar em sua casa.

     - E suas amigas? Lembro delas não gostarem de mim - perguntei rindo.
     - Cada uma para um lado, ainda nos falamos, mas são raras as ocasiões em que estamos todas juntas.
     - Acho que vi uma delas semana passada. Logo que cheguei aqui. Era loira, com os cabelos ondulados, não vou conseguir lembrar o nome dela, era sempre a mais quieta. - disse me forçando a lembrar.
     - Era a Yara. Ela passou por aqui visitar a mãe dela que não anda muito bem. Saímos uma das noites que ela estava aqui, mas teve que voltar logo, estava cheia de projetos para concluir.
     - Deve ter sido ela, mas acho que não me reconheceu, passou por mim sem dar muita importância.
     - Você não oferece mais perigo algum, então acho que o rosto passa a se tornar meio irrelevante depois de um tempo.
     - Imagino que seja isso, ou ela simplesmente não me reconheceu,não sou mais como era antes.
     - É, acho que o que deixava ela chocada já se foi a algum tempo - ela diz rindo.
     - Nunca entendi direito porque não só ela, mas todas não gostavam de mim.
     - Primeiro, porque me fazia sofrer, segundo porque elas diziam que eu merecia algo melhor, terceiro, porque sempre quando a gente brigava eu acabava indo atrás, quarto porque você era diferente de todo mundo e para elas era só frescura...- ela para pra respirar - posso continuar com isso a noite toda se quiser.
     - Pode continuar então - falo rindo para disfarçar meu desconforto com a resposta dela.
     - Bom, elas realmente concordavam em tudo com minha mãe, e esse discurso você já ouviu milhões de vezes, não vou ficar repetindo.




     - Tudo bem, então, posso começar a cozinhar?... porque eu que vou cozinhar né?
     - Como você notou minha segunda intenção no convite? - ela fica linda sorrindo
     - Previsível, sempre confiou nos meus dotes culinários - me permito ser o mesmo garoto, e rir.
     - E você e essa mania de achar que sabe cozinhar.
     - Não quero falar nada, mas sempre cozinhei melhor que você.
     - Tudo bem,eu admito - é bom vê-la sorrindo assim.
     - Então, o que vai querer?
     - Você decide o prato.
     - A casa é sua, a decisão é sua.
     - Você vai cozinhar, eu sou do básico, você escolhe.
     - Surpresa então.
     - Gera menos conflito - seu riso se torna cada vez mais natural
     - Então vai ser assim, me diga onde é a cozinha e onde está tudo, e sem vir espiar.
     - Posso ficar sentada na bancada? Pelo menos isso? De longe? - ela ri ansiosa 
     - Esse é o acordo ou nada feito.
     - Tudo bem...Pega a direita aqui e vai reto, Ela é aberta, você com certeza vai encontrar. As quatro primeiras portas dos balcões tem condimentos. Talheres nas gavetas, e panelas em baixo do fogão. O resto você mesmo procura.
     - Tudo bem - respondo me encaminhando para a cozinha e pensando no que cozinhar.

     Ao cruzar por um espelho me peguei sorrindo, e só então me dei conta de como me sentia bem, depois de anos longe, pela primeira vez, parecia estar no lugar certo, e isso me fazia sentir que todo o peso que carregava tivesse ficado da porta pra fora.
     Não demorou até a música chegar aos meus ouvidos, me fazendo sorrir ainda mais, estar em casa, acho que essa era a expressão mais próxima do que eu sentia agora, minhas lembranças pareciam tão próximas que acho que poderia toca-las com as mãos, fiquei assim, perdido em memórias por alguns instantes, e então comecei a cozinhar.





     Enquanto cozinhava, me deixei pensar em como tudo era diferente hoje em dia, mas estranhamente familiar, quantas vezes havíamos feito isso antes? Quanto tempo fazia desde a última vez. Lembrei daquela noite, quando o acaso nos aproximou, e em algumas horas ela havia despertado tudo o que havia de bom em mim, uma noite, só uma noite e toda minha vida havia mudado. 

     - Cozinhar! Isso, cozinhar. - Disse para mim mesmo, afastando os pensamentos.




     Por mais que tentasse era difícil afastar da mente os pensamentos, mas me mantive o mais focado possível em cozinhar. Senti ela se aproximar, mas não me desviei das panelas.

     - Posso? - ouvi sua voz atrás de mim, me virei e lá estava ela escorada no batente da porta, com um sorriso sapeca no rosto.
     - Demorou pra aparecer, aprendeu a controlar a curiosidade?
     - Um pouquinho - respondeu brincando com os dedos e demonstrando o quando se segurará para vir até ali.
     - Isso é bom, mas lamento informar, vai continuar curiosa - começo a rir com a cara de frustração que ela faz.
     - Vai, não me tortura assim. Me deixa pelo menos ficar aqui. Eu não atrapalho, vai. - ela sorri pra mim e não consigo dizer não.
     - Tudo bem - digo e reviro os olhos tentando parecer contrariado.

     Ela se senta na bancada em frente ao fogão e fica observando, não com a curiosidade pela que estou fazendo, tem algo a mais em seus olhos, mas não sei dizer o que.

     - Posso pegar o vinho? ela me pede
     - Pode

     Ela pega o vinho e duas taças e os coloca sobre a bancada, vai até a gaveta pegar o abridor, serve duas taças generosas, e se aproxima com uma delas. Quando a pego nossas mãos se tocam, e os olhares se cruzam, e nós ficamos assim, uma corrente elétrica percorre meu corpo, e as palavras demoram a surgir, me afasto e digo por fim

     - Mais um pouco e vai estar pronto, deve estar com fome.
     - Um pouco, mas eu aguento - responde sorrindo um pouco sem jeito, e volta pra bancada.




     Ela ficou sentada na bancada bebendo o vinho, me observando em quanto eu continuava a cozinhar, parei e me voltei para a minha taça, ali parados dessa forma na cozinha era como se eu nunca houvesse partido antes, era estranho pensar nisso. Quando ela se levantou lhe lancei um olhar acusador, ela já havia quebrado nosso acordo.


     - Só vou arrumar a mesa - disse ela se defendendo.

    Ela levou as coisas para a mesa, e voltou a bancada.

    - Quer esperar na mesa, por favor? - Disse indicando a mesa com a cabeça.
    - Não vai nem dar uma pista do que é? - ela me pergunto enquanto eu já balançava a cabeça negativamente - então não demore, ou minha curiosidade vai comer meu estômago - falou sorrindo e se dirigindo a mesa.

    Depois de alguns minutos me dirigi a mesa com uma travessa em mãos, o rosto dela era de pura curiosidade, pousei a travessa sobre a mesa e servi seu prato, e aguardei até que provasse.

     - O que é isso? - Ela me perguntou.
    - Talharim ao molho tártaro. Agora prova - falo rindo

    Ela levou algum tempo antes de falar qualquer coisa.
     
     - Não quer vir cozinhar todos os dias aqui, não? É sério, isso está muito bom.
     - Falei que cozinhava melhor que você - respondo segurando o riso.
     - Cala a boca e come. - Foi o que ela respondeu, no fim das contas ainda era a mesma garota que conheci anos atrás.

    A conversa fluiu muito fácil durante o jantar, era bom poder voltar a ser eu mesmo as vezes.




     Ao terminar a janta ela seguiu rumo a pia com os pratos e eu a segui com a vasilha.

     - Coloca ao lado do fogão - ela me disse já pegando o detergente e a esponja.
     - Você vai lavar a louça?
     - Você fez a janta, eu tinha que fazer algo, não é!? - ela me diz rindo
     - Tudo bem, então eu vou secar - falo buscando a toalha.
     - Não vai mesmo, deixa a toalha ai mesmo.
     - Não mesmo.
     - Vai sim, não quero você fazendo mais nada - disse ela tentando tomar a toalha da minha mão.
     - Para com isso, vou secar a louça - falei rindo
     - Não vai não. - Em meio a minha risada ela arrancou a toalha de minhas mãos.
     - Então já que você insiste, pode ficar com a toalha, eu lavo a louça - Ri ainda mais indo pra pia.
     - Saí dai, por favor - falou ela pouco antes de eu lhe jogar água - Sério? É guerra? - me perguntou apontando pra blusa molhada.
     - Eu já falei que farei isso - disse rindo.
     - Não vai. - deu mais um passo, e eu arremessei um pouco mais de água - É assim? - a desafio com o olhar e ela me bate com a toalha.
     - Isso é golpe baixo.
     - Saí dai e eu paro.
     - Para com isso é sério - olho pra ela tentando parecer sério e ela sorri. A molho mais uma vez, e ela torna a tentar me bater. - Ta bom, já chega! - Seguro o pano que ainda estava no ar.
     - Larga - ela fala rindo, como ela fica linda sendo ela mesma.
     - Não vou largar. - Respondo puxando com mais força.
     - Vai sim, e vai sair dessa cozinha. - falou usando mais força.
     - Se puxar esse pano, vou junto. - Falei enrolando o pano na mão.
     - Larga!
     - Para de teimosia, não vou soltar.
     - Vai sim, larga isso! - falou puxando com mais força.
     - Desiste - me sentia bem com toda essa situação.
     - Tudo bem, você seca a porra da louça, mas não quero te ouvir reclamando depois. - Falou soltando o pano e indo para a pia.
     - Saí dai, sei que ficou fazendo birra como sempre fazia - falei rindo
     - Idiota - falou em um tom quase inaudível.
     - Falou alguma coisa? - pergunto parecendo mau, mas rindo por dentro.
     - Eu disse idiota!
     - Como é, que é!? - Perguntei pegando a taça cheia de água e indo em sua direção.
     - Você não teria coragem!
     - Você tem certeza? - Perguntei, desafiador.
     - Espero que não. - Me disse em um riso contido.
     - Ta vou te dar uma chance e não vou fazer isso.
     - Só porque sabe que eu te faria limpar.
     - Até parece.
     - Ia mesmo, ia fazer limpar o chão e me limpar, que aliás, eu já estou toda molhada por sua culpa.





     Comecei a rir, como sempre, interpretando de outra forma o que ela havia dito.

     - Ta bom, isso não foi legal - Diz começando a rir também.
     - É, isso ficou estranho.
     - Não deveria ter ficado, isso é um jantar entre pessoas civilizadas....
     - Você quem falou, não eu, e você sabe muito bem como eu sou com essas coisas - Ambos rimos disso.
     - É eu sei.
     - Acho que não mudei tanto assim.
     - Espero que não, eu gostava daquela versão.
     - Estranho, incompreendido, autodestrutivo e melancólico? Todos esses atrativos em um cara só são difíceis de achar.
     - Tem razão, procurei por anos, e não achei nenhum sequer parecido
     - Não acredito nisso, eu mesmo me achava insuportável, todas as manias, os problemas...
     - Sempre te fizeram mais perfeito - disse sorrindo sem jeito
     - ...Acho que tenho que ir, está ficando tarde.
     - Fica? - Me pediu, sem pensar nas palavras, simplesmente deixando que saíssem. 
     - Realmente acho que tenho que ir - disse tentando evitar, ser mal entendido.

     Não esperava por esse pedido, não estava preparado pra esse pedido, eram muitas coisas envolvidas na simples escolha de ficar, ela me disse que tudo bem e se ofereceu pra me acompanhar até a porta, virei-me e segui rumo a saída.
     Mais uma vez, a cena se repetia, anos atrás também fora dessa forma, a diferença, é que dessa vez, não houve um toque, um pedido, não sei dizer se queria que ela me pedisse mais uma vez para ficar, ou se simplesmente me deixasse ir, minha mente rodou ao chegar a porta, uma inundação de lembranças, sentimentos e magoas, me assolou, senti meu coração se contrair e se expandir, sabia o que isso significava, medo, puro e simples, só não sabia se era de ficar, ou de ir mais uma vez.
     


     Sem abraços, sem despedidas, somente aquele adeus que não foi proferido, o pedido do olhar.
     Parti rumo a rua e a noite fria, vasculhei os bolsos em busca ao meus cigarros, ouvi a porta se fechar atrás de mim com um som leve, dei uma tragada longa e observei o céu, e deixei minha mente ser levada, pelo dia, e pelo passado, sorri ao fazer isso, um sorriso triste, mas mesmo assim um sorriso.
     Ela havia me dito que sempre soubera sobre mim, mas nunca soube de mim, eram tantas coisas que queria lhe contar, todas as vezes em que fui ao chão, como era cada vez mais difícil me reerguer, como as lembranças que tinha de nós me davam força, todas as vezes que chorei, todas as vezes que não sabia mais onde era meu lugar, todas as vezes que quis voltar, que quis estar perto, todas as vezes que....
     Pego meu cantil, e fico feliz ao sentir o gole amargo descer por minha garganta, era quase reconfortante, um ponto de luz, em meio a toda a confusão que o dia desperta-rá em mim, mas isso não seria o suficiente, mais uma vez queria o torpor, a bebida mais forte que encontrasse, que por algumas horas, me fizesse não sentir mais nada.
   
     Naquela ocasião, mais uma vez aceitei o convite da noite, para me perder, mais uma vez parti, buscando apagar da minha mente todas as coisas que sentia, e queria dizer, tantas vezes isso aconteceu depois. Tantas camas vieram, na tentativa de esquecer aquela, tantos rostos, tantos cheiros, risos, mas nunca pude apagar.
     Quando parti aquela noite, mais uma parte de mim, do garoto que eu era, se perdeu, talvez eu a tenha deixado lá, mas nunca mais voltei para busca-lá, mas sempre me lembrei de tudo, de quem eu era, e de quem ela me fez ser, de como uma noite, podê despertar tudo de melhor que um dia já houve em mim, mas apenas  houve...

     Levei anos, até perceber que aquela noite, havia sido o fim, sem prolongamentos, tudo acabara, naquele dia, no fechar daquela porta. Nunca esqueci aquela noite, ou o passado, nunca mais voltaria a ser o mesmo garoto, e o " e se", que sempre levava comigo, deixou de existir, assim como o garoto sonhador, que eu havia sido um dia.

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